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Os dilemas dos Estados Unidos comparados a uma empresa privada

Mudanças históricas têm ocorrido no front econômico nos últimos dias. A possibilidade de os Estados Unidos deixar de honrar seus compromissos financeiros era algo impensável, até pouco tempo atrás. O fraco acordo, conseguido pelo presidente Obama com a Câmara dos Deputados para o aumento do teto da dívida, teve como consequência os menores níveis de aprovação do governo por parte dos americanos. Para completar a semana, a notícia de rebaixamento dos títulos pela agência Standard & Poors levanta a possibilidade – ainda que remota – de um eventual calote.

 

Para elucidar o momento, vou tentar comparar a situação do governo americano com uma empresa privada, denominada como USA. Tradicionalíssima e com mais de duzentos anos de existência, é financeiramente sólida e respeitada em todo o mundo. Atuando em um segmento altamente competitivo, é líder de mercado com grande participação. Apesar do decréscimo na taxa de inovação e desenvolvimento nos últimos anos, seus produtos ainda são muito desejados por clientes que procuram segurança e alto valor de revenda.

 

O antecessor do atual presidente permaneceu no comando por duas gestões, sendo conhecido por seu jeito rústico, inabilidade política e desconhecimento da geografia – assim como grande parte dos americanos médios. Sua eleição, contestada por sua legalidade, o levou a cadeira principal em um cenário dividido entre os acionistas. Logo no início de seu mandato, foi surpreendido por graves problemas de origem externa. Sabotagens e ataques a algumas de suas instalações, espalhadas ao redor do mundo, provocaram medo e insegurança em seus funcionários, clientes, fornecedores e acionistas.

 

Aproveitando-se da situação, conseguiu aumentar sua popularidade. Com um discurso demagógico, decidiu pela procura dos culpados, investindo bilhões de dólares em projetos de longo prazo, os quais além de não relacionados à melhoria da eficiência da empresa, tinham retornos altamente questionáveis. Conseguiu aprová-los em meio à confusão e ao medo reinante na instituição. Com o passar dos anos tornaram-se claro sua inviabilidade, porém interrompê-los neste momento sairia mais oneroso que terminá-los.

 

Para financiá-los recorreu aos lucros acumulados, lançou ações e debêntures no mercado, assim como buscou financiamentos junto a instituições financeiras.  Não obstante as taxas de juros atraentes, consequência de sua baixa taxa de risco, seu índice de liquidez: relação entre seus ativos circulantes – caixa, bancos, estoques e clientes e passivos circulantes: empréstimos, financiamentos, impostos e fornecedores – começou a se deteriorar. Vale salientar que quanto melhor esta relação, maior a capacidade da empresa em honrar seus compromissos.

 

Para piorar ainda mais o cenário, importante parcela dos clientes tornou-se inadimplente, consequência de uma política de crédito frouxa, a qual concedia aumento nos limites sem o devido lastro. Mais uma vez sua administração teve que recorrer ao capital de terceiros, aumentando sua alavancagem a níveis críticos – relação entre capital próprio e de terceiros – comprometendo ainda mais sua liquidez. O presidente anterior deixou a empresa pela porta dos fundos, com os piores níveis de aprovação jamais vistos na história da empresa.

 

O novo presidente trazia muita esperança aos funcionários e acionistas. Além de jovem e negro, algo raro em uma multinacional americana, tinha uma formação de primeira linha e grande carisma. Transitava de maneira fluida, estivesse entre os diretores ou na linha de produção. Seus discursos eram concorridos, assim como suas páginas no Facebook e seus seguidores no Twitter. Visitou diversas operações ao redor do mundo, arregimentando admiradores e respeito. Neste ínterim, foi agraciado com importante prêmio de destaque internacional.

 

Passada a fase de lua de mel, debruçou-se sobre os problemas gigantescos da empresa, os quais fizeram com que perdesse parcela significativa de suas vendas nos últimos trimestres. Como consequência e para tentar reergue-la, abandonou algumas linhas de produtos, fechou fábricas e demitiu milhares de funcionários. Teve que rever alguns investimentos e projetos de seu antecessor, reduzindo-os na medida do possível.

 

Apesar dos esforços empreendidos, novos concorrentes começaram a ganhar mercado, aproveitando a inércia e a fragilidade da USA, oferecendo produtos e serviços confiáveis e também seguros, ameaçando sua hegemonia mundial. Como uma bola de neve, o grau de endividamento aumentava, à medida que venciam os compromissos financeiros com seus credores, os quais começavam a duvidar de sua capacidade de pagamento. Em reunião com os acionistas, o presidente solicitou um aumento no teto do endividamento para poder continuar investindo, cujo resultado foi mal recebido pelos analistas financeiros.

 

Como consequência, sua taxa de risco foi revista por algumas agências, as quais colocaram em dúvida sua liquidez. Esta situação era inédita para a empresa, cujos produtos eram considerados pelo mercado como sinônimo de risco zero, utilizados como parâmetro para operações de empréstimo por governos, empresas e MBAS ao redor do mundo. Esta decisão causou alvoroço no segmento, uma vez que a abrangência dos negócios ultrapassam as fronteiras americanas. Com a decisão possivelmente subirão as taxas de juros pagas pela USA aos bancos, aumentando ainda mais sua dívida de curto prazo.

 

O presidente atual se encontra frente à dicotomia entre crescer fortemente as vendas, ao mesmo tempo em que deve reduzir os gastos, cortando benefícios e projetos, assim como comprometendo sua reeleição para o próximo ano. Os especialistas por sua vez, prevêem um crescimento apenas moderado nos principais mercados consumidores. Neste cenário, a USA precisará investir e se concentrar no que sabe fazer melhor. Sua história é recheada de exemplos de empreendedorismo e inovação, trazendo produtos, serviços e soluções que tanto encantaram o mundo no século passado. Com um portfólio renovado poderá novamente se diferenciar da concorrência, a qual já disputa palmo a palmo consumidores em seu próprio quintal. O mundo aguarda ansioso pelos próximos capítulos e por sua pronta recuperação.

escrito por Marcos Morita

Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

Sobre o Autor: Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

1 comentário

  1. fabio murakami

    Caro Prof. Marcos,
    Achei muito interessante a comparaçao dos EUA como empresa, li seu artigo num pequeno jornal chamado Gazeta do Iguaçu, da cidade de Foz do Iguaçu, PR. Um dos meus funcionarios queria entender o que era essa crise dos EUA, e eu tentei fazer um paralelo com a administraçao de um condominio, parecido com sua abordagem. Vou mostrar o seu artigo para ele, pois de forma resumida e com clareza, vc faz por entender a recente historia politica e economica americana.
    ps. faço parte dos que acreditam que o 11/09/2001 foi uma conspiraçao do governo Bush.

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