Os últimos doze meses foram talvez os campeões em recall envolvendo automóveis. Na última semana foram os proprietários do Stilo da FIAT, cuja roda pode se soltar em movimento. Vale salientar que a montadora, acionada pelo DENATRAN e multada em R$ 3 milhões, mantêm a posição de que não há nada de errado com seu veículo. Enquanto isso, cubos de roda são importados da Europa.
Como professor de estratégia e marketing, sou sempre questionado sobre as razões do aumento no número de recalls. Tecnologia, controle estatístico de processos, robótica, qualidade assegurada e certificações ISO, deveriam se não extingui-los, diminuí-los de maneira considerável. Tenho pesquisado e consultado opiniões de especialistas sobre diversos prismas, cujas hipóteses são abaixo apresentadas.
Muito tempo se passou desde o final da era Henry Ford e seu modelo T. Espartano, preto, porém robusto, criou o conceito de produção em massa. Numa época em que inexistiam grandes parques industriais, a produção era totalmente verticalizada. Praticamente todos os itens que o compunham eram produzidos internamente. Hoje a situação é bastante diferente.
As montadoras terceirizam conjuntos inteiros a fornecedores. Estes por sua vez o fazem novamente com outras empresas. Apesar dos processos de certificação de fornecedores, a probabilidade de ocorrência de problemas aumenta à medida que novas variáveis são adicionadas ao processo. É também mais difícil encontrar os responsáveis quando surgem os defeitos, eletrônicos em especial.
Lembro do tempo em que acompanhava meu pai e sua possante Variant a oficina. Seu motor traseiro fazia um ruído ensurdecedor, o qual parecia música aos ouvidos do mecânico. Era o tempo em que problemas eram descobertos apenas pelo barulho, como um clínico geral que ausculta seus pacientes. Com a eletrônica foram-se os mecânicos de bairro e a simplicidade da caixa de ferramentas.
Como todo garoto conhecia as marcas e modelos de carro, o que, diga-se de passagem, não era lá grande coisa. Tivemos uns dez carros durante minha infância e adolescência. Brancos e com duas portas, enferrujavam com freqüência. Os anos se passavam e os modelos eram sempre os mesmos. Apenas pequenas alterações na cor do estofamento ou no desenho dos faróis.
Hoje um garoto teria muito mais dificuldades em guardar os modelos existentes, apesar de seus cérebros estarem conectados todo o tempo. Cores sólidas ou metálicas, importados, nacionais, duas, três ou quatro portas, conversíveis, 1.0, 1.3, 1.4, 1.6, 1.8, 2.0, álcool, gasolina, gás, elétrico, com ou sem chave, charmosos, seguros e bonitos. As novidades parecem não ter fim.
As geladeiras da vovó que duravam toda uma vida, hoje não passam de alguns anos. Sinal dos tempos, afinal quem gostaria de ter um trambolho na cozinha. Imagine então na garagem. Com o ciclo de vida cada vez mais curto, as empresas são compelidas a aumentar o ritmo de lançamentos. Produtos maduros e consolidados têm menores chances de apresentarem defeitos. Os taxistas em geral se enquadram nesta categoria.
A globalização trouxe o conceito de mundo conectado. Vivemos numa aldeia global, não mais local. Acompanhamos e desejamos em tempo real tudo que ocorre na América e no Velho Mundo. Bom para os consumidores, ruim para as empresas, as quais não podem utilizar os países em desenvolvimento para desovar seus produtos antigos. Neste novo cenário, carros são construídos em escala global, compartilhando plataformas e componentes visando economias de escala. O que poderia ser positivo torna-se uma dor de cabeça global. Akio Toyoda sabe do que estou falando.
Por fim, adicione as redes sociais, blogs e twitter. O que era para ser um caso isolado torna-se público em poucos instantes, através do marketing viral. As montadoras parecem encurraladas. Concorrência crescente, pressão para redução de custos, consumidores cada vez mais conscientes e conectados, órgãos do governo aplicando multas históricas. Quiçá Henry Ford estivesse correto em suas teorias.